Eu não sei por onde começar, fazem alguns anos que ocorreu e é a primeira vez que pretendo dizer tudo o máximo que der. Eu me sinto nervosa ao pensar sobre, porque as memórias ficam no fundo da mente sempre, e acessar desencadeiam crises e crises, com flashbacks sem fim, até desmaios, são muitas sensações para se lidar, estragou parte de mim de um todo que já nasceu ruim. 

Não sei dizer exatamente a idade, mas era entre 4 a 5 anos, num contexto de separação. Minha mãe estava se separando do meu pai definitivamente, por conta de que ela tinha arranjado outra pessoa, além disso ela queria muito me levar e levar minha irmã mais velha com ela, para uma cidade bem longe da onde nós morávamos, para sermos um tipo de família nova com esse novo cara. 

Eu ainda tento caçar motivos, e rostos aos atos, mas sempre soa nublado demais e inacreditável para dizer. Diria que a raiva ou frustração tenha sido um motivo chave para que acontecesse.

A primeira vez foi escura, no sentido de que foi um dia escuro, não estava com a minha mãe, somente eu e minha irmã indo dormir na velha casa do meu pai. Tinha uma cama só, de casal, e um cheiro de umidade fria, dormiríamos na mesma cama e tava tudo tranquilo. Exceto por minha insônia, que sempre me fez acordar em momentos aleatórios da noite, e uma das vezes que eu acordei eu tava sentindo mexerem em mim, meu medo de ser um monstro ou fantasma me paralisou, descia do meu cabelo para rosto, para barriga e ia descendo e descendo, o que me deixou em desespero e me fez chorar, o que piorou quando eu senti coisas gosmentas quentes que ficavam geladas encostarem e desencostar em mim, até arriar minhas calças e me tocarem com mãos grossas demais, e uma penetração não tão funda, mas dolorosas demais para serem consideradas só um pesadelo, até parar por um longo tempo que me pareceu uma eternidade até finalmente eu adormecer. Se repetiram tantas vezes, em saídas de fim de semana, no "dia de ficar com seu pai" por causa da guarda compartilhada.

Lembro de vezes em um bar, no chão do banheiro, lembro de mais pessoas olhando, tirando um pedaço a mais de mim. Lembro que senti tanto medo que desejava todos os dias que eu morresse. Lembro das risadas, dos comentários, das ameaças que caso eu contasse me mataria. Lembro que tudo isso me abateu tanto, até não tão de repente assim, parar. Parou mais ou menos 4 anos depois, onde já estava mais com a minha mãe e uma guarda unilateral com ela, eu morava com ela e já não queria mais ver o meu pai. Ainda aconteciam situações que repetiam o ciclo de forma mais leve, como quando um garoto da segunda série ficou passando as mãos em mim e mesmo eu tendo contado pra professora ela não fez nada; ou quando fiquei um tanto mais velha, uns 11 anos, e comecei a passar um tempo com meu primo (18 anos), e frequentemente quando eu brincava ele jogava meus brinquedos em lugares que eu teria que ficar bem vulnerável pra alcançar, para que ele me oferecesse ajuda para me equilibrar ou algo do tipo, era quando ele me encoxava e se esfregava em mim.

Tudo só parou quando eu me mudei para outra cidade, tanto tempo já se faz que eu me mudei, ainda mais que todas essas coisas aconteceram, mas só parece que foi ontem, porque tudo só se repete em um looping na minha cabeça: todos os dias, sem exceção, lá no fundinho da mente estão todos esses momentos em repetição. Eu queria que essa parte também sumisse, mas são marcas imutáveis, dizem que eu sou forte por ter vivido depois disso, entretanto eu não consigo concordar. Eu não consigo falar muito sobre, eu ainda sinto medo, medo de morrer se eu falar, medo de ninguém nunca acreditar em mim, medo de ser uma mentirosa vulgar que desejou tudo isso na infância e só quer atenção, só que agora eu tenho mais medo de minha alma ser consumida por esse monstro que essas lembranças viraram, eu não quero mais morrer, eu não preciso da credibilidade, eu só queria a sensação de estar limpa de novo.