Tem coisa que a gente acha que nunca vai acontecer com a gente, até que um dia aconteceu comigo.
Eu tinha 12 anos e ele também. A gente dividia a sala no ensino médio, a professora passou uma atividade em dupla e ele estava disponível para mim. Juntamos as carteiras e começamos a fazer a atividade, mas de repente ele se viu na liberdade de passar a mão em mim. Eu travei. Não reagi e ele continuou passando a mão na minha perna. Tudo bem, vida que segue.
Poucos meses se passaram, eu tinha 15 anos e ele também. Estávamos jogando conversa fora e de repente fui pega de surpresa, eu disse algo que o incomodou e ele impulsivamente me prendeu contra a parede. Meus pulsos ainda sentem as suas mãos e minhas costas ainda sentem a parede. Tudo bem, vida que segue.
Anos se passaram, eu tinha 19 anos e ele também. Ele vem demonstrando desejos há um tempo, eu levo na brincadeira, mas logo descubro que não é bem assim. A gente saiu com outros amigos e ele tentou me beijar. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Passou a mão na minha perna e respirou no meu pescoço. Ainda escuto a sua respiração de vez em quando.
Minha ficha não caiu na primeira vez, nem na segunda e eu não percebi nenhuma das pequenas agressões que ocorreram ao longo do tempo, mas minha ficha caiu na terceira vez. Eu desabei, mas aí já era tarde demais. São anos convivendo com um agressor.
E agora? Fraqueza, culpa, violação e trauma.
Me sinto estúpida porque demorei tanto tempo para entender que fui violentada.
Eu não denunciei, não fiz justiça para as que vieram antes (sempre soube que não era a única) e tampouco tive força para proteger as que virão (sempre soube que não seria a última). Eu devia ter reagido todas as vezes que ele tentou me beijar, passou a mão em mim ou me encurralou na parede, mas não consegui.
Como eu deixei tudo isso acontecer? Eu não deixei! Eu nunca disse sim, só tive medo de dizer não.
A verdade é que eu nunca tive uma visão saudável de amor, nunca tive um bom exemplo de relacionamento. Eu senti medo, mas me ensinaram que isso faz parte e acabei confundindo amor com agressão.
Eu precisei de tempo para entender isso. Eu não tô curada e ainda dói. Às vezes pouco, às vezes muito, mas de uma coisa eu sei: o covarde sempre vai ser ele.