Estamos no mês de junho e com ele iniciamos a temporada de enaltecimento do orgulho LGBTQIA+ e da diversidade pelas empresas. De repente, todas são aliadas da pauta. Produtos e embalagens ganham as cores do arco-íris, as mesmas que estampam a bandeira do orgulho. Redes sociais também recebem a nova roupagem colorida, acompanhada de textos rasos sobre diversidade e inclusão, usualmente sobre a importância da data ou fazendo algum resgate histórico. Em outras empresas, a bandeira do movimento é literalmente colocada nos escritórios, estampando de cupcakes às fachadas dos edifícios.
O uso da palavra temporada no início deste texto não foi gratuito. Infelizmente, ainda estamos majoritariamente diante de uma movimentação sazonal: nada mais do que uma estratégia de marketing oportunista. Nesses casos, o que importa é não ficar de fora. Não perder o momento de engajar sua marca com um público cujo poder de consumo foi estimado em U$ 3,9 trilhões em 2019. Não deixar de se manifestar sobre aquele que —em junho e apenas em junho— é um dos "assuntos mais comentados" nas redes sociais.
No Brasil, de acordo com estudo recém-lançado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somos quase 3 milhões de adultos que se autodeclaram LGBTQIA+. Os parcos indicadores nacionais sobre o assunto ainda não possuem esse recorte, mas observando outros indicadores sociais e econômicos podemos afirmar com segurança que boa parte dessa população não possui pleno acesso a recursos e direitos fundamentais.
Em março deste ano, imersa nas atividades do mês da mulher, fui surpreendida com uma triste notícia: perdi mais um querido amigo trans para o suicídio. Ele era policial, o primeiro trans do estado de São Paulo a fazer parte da corporação. Um jovem incrível, com toda a vida pela frente: "suicidado", dizemos, seguindo termo cunhado por pesquisa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Suicidado por uma sociedade intolerante à diferença. Suicidado pela violência e pelo trauma infligidos aos corpos trans por toda a vida. Para se ter uma dimensão do problema, 45% dos jovens LGBTQIA+ já consideraram suicídio no ano passado, número que sobe para mais da metade para jovens trans e não-binários. Os dados são de uma pesquisa anual da organização americana The Trevor Project, que atua na prevenção do suicídio e nos cuidados com saúde mental de jovens LGBT.
Enquanto fico feliz em me ver representada nos produtos, nas embalagens e nos anúncios pelo menos uma vez ao ano, sempre penso: neste exato momento, ainda há centenas de pessoas no mundo que prefeririam morrer a ser LGBTQIA+.
Por isso, fica a pergunta: quantas dessas ações de marketing datadas se apropriam de um movimento legítimo por reconhecimento e direitos em prol de sua própria imagem comercial? E quantas delas, de fato, são revertidas em ações concretas em benefício da comunidade LGBTQIA+ não apenas em junho, mas ao longo de todo o ano?
Quais destas empresas possuem políticas de governança realmente inclusivas? Contratam pessoas trans? E, uma vez contratadas, quais garantem condições de permanência e de ascensão na carreira para esses profissionais?
Enquanto muitos ficam na superficialidade das campanhas temáticas de junho, a população LGBTI+ foi, e continua sendo, alvo de discriminação e violência física e moral.
Além de representar um compromisso com os direitos humanos, a promoção da diversidade sexual e de identidade de gênero traz benefícios concretos para os negócios. Estudos realizados pelo The Williams Institute, da Universidade da Califórnia em Los Angelas, apontam os reflexos de políticas inclusivas orientadas a esse público: aumento da produtividade, maior engajamento de funcionários, aumento da satisfação profissional, entre outros.
Ao longo deste mês do orgulho, se você é aliado desta causa, consuma produtos de empresas que investem na diversidade durante todo o ano. Empresas que estejam envolvidas com projetos, iniciativas e organizações de impacto regionais e que façam a diferença no dia a dia da comunidade LGBTQIA+. Empresas que contratem e promovam profissionais diversos sem se esquecer de outros recortes importantes como raça, gênero e acessibilidade.
A edição do produto pode até ser "especial", mas também deve haver o compromisso com boas práticas de governança com uma visão de desenvolvimento sustentável e alinhada com a agenda ESG —Environment, Social & Governance, ou em português, Ambiental, Social e Governança, termo que se refere às boas práticas empresariais que se pautam por critérios ambientais, sociais e parâmetros de excelente gestão corporativa. Isso sim é que deve ser o novo normal.