A forma como tem repercutido o julgamento protagonizado pelos atores Johnny Depp e Amber Heard, nos Estados Unidos, com extensa cobertura da mídia e comentários nas redes sociais, é preocupante. Existe uma crescente onda misógina na internet que toma forma por meio de contínuas manifestações machistas, de escárnio e de ódio contra a atriz, além de uma tentativa de deslegitimação do #MeToo, movimento de defesa dos direitos das mulheres iniciado naquele país. 

Johnny Depp está processando a sua ex-esposa por difamação devido a um artigo escrito em 2018, no The Washington Post, no qual ela descreve ter sido vítima de abuso doméstico, sem nomear seu agressor. O julgamento, transmitido ao vivo para o público desde abril, traz acusações de violência doméstica (de ambas as partes) e tem causado uma explosão de ódio dirigido a Amber e, pelo caráter misógino, a todas as mulheres. 

Além da Justiça, a atriz vem sendo julgada e condenada no tribunal das redes sociais, em um movimento de bullying de escala mundial, multiplicado nos incontáveis vídeos e memes que zombam da mulher e tecem elogios a Depp, elevando o tema ao ranking de mais comentados nas redes nos EUA. No último dia 19, o VICE World News publicou reportagem de denúncia sobre como a mídia conservadora tem impulsionado o tema e publicado anúncios no Facebook e no Instagram com histórias falsas de apoio a Johnny Depp. O montante gastos em publicidade mal-intencionada chega aos US$ 47 mil, segundo o texto. 

Essa ação reacionária tem provocado, ainda, um debate em parte da imprensa americana sobre uma suposta deslegitimação do movimento #MeToo, culminando no enfraquecimento dos direitos das mulheres. Articulistas conservadores como Candace Owens dizem publicamente que as mulheres são “magicamente” acreditadas, mesmo sem provas, apenas por fazerem parte do movimento de defesa das mulheres #MeToo.

É fato que essa onda misógina traz prejuízos à luta pela defesa das mulheres vítimas de violência que, pela natureza das agressões sofridas, já têm dificuldade em denunciar seus agressores. Ao assistirem a verdadeira caça às bruxas à qual Amber está sendo submetida, as mulheres vítimas podem optar em se manter em silêncio, por medo da exposição. Preocupa ainda o efeito rebote do resultado da Corte: se Depp vencer o processo, pode haver uma corrida de processos de abusadores contra as suas vítimas. 

Heard já chegou a pedir medida protetiva contra Deep e o acusou de abuso emocional, verbal e físico, segundo documentos judiciais publicados pela imprensa. Em 2018, Deep processou e perdeu um processo de difamação para o jornal britânico The Sun, por um artigo que se referia ao ator como "espancador de esposa". Um juiz britânico decidiu que a maioria das acusações foram provadas. 
 
Independentemente do resultado do novo julgamento - que esperamos estar baseado nos autos do processo e não nos humores do público externo -, todas as pessoas têm direito à ampla e irrestrita defesa, ao direito à investigação e a um julgamento justo, assim como ao respeito à sua pessoa durante o curso do processo. 

O Me Too Brasil convoca, mais uma vez, o respeito às mulheres que têm a coragem de denunciar seus abusadores e agressores e manifesta preocupação, reiterando sua luta contra ações que buscam deslegitimar a defesa dos direitos das mulheres. 

Sabemos que, historicamente, o movimento de defesa dos direitos das mulheres está constantemente em risco e é recorrente alvo de disputa. O julgamento de Amber pelo público na internet é apenas mais uma tentativa de deslegitimação do que foi construído até hoje. As mulheres e homens que lutam por direitos sabem da importância do movimento #MeToo na luta mundial e confiam que o avanço feminista não vai terminar nesse julgamento, seja qual for o seu desfecho.


Créditos Foto: CourtTV via YouTube.