Quando eu tinha 8 anos, enquanto comprava pão em uma padaria, um homem de terno e bem mais velho me convidou para me deixar em casa de carro, comprar doces e me ofereceu seu celular para eu ligar para a minha mãe e avisar que iria voltar “com um amigo da escola” pois ele iria me mostrar “um jogo muito divertido”. E apesar de ter outros adultos em volta, nenhum deles afastaram aquele homem de perto de mim, meus pais de longe observaram como eu iria reagir, porém não fizeram nada, afinal “me criaram para ser forte”. E hoje quando eu pergunto sobre isso, nenhum deles lembra, mas é sempre mais fácil esquecer coisas assim quando não é a vítima. 

Aos meus 12 anos, tive que aguentar durante um ano e meio um professor estagiário me assediando e como me ensinaram que o assédio vinha pela violência e força, no começo não percebia que o que se passava comigo era assédio, apesar de sentir medo e nojo de tudo o que acontecia. Quando eu notei e tive coragem para denunciar, me colocaram como culpada pois “eu provoquei e pedi isso” e que “eu deveria me sentir orgulhosa por chamar a atenção de alguém mais velho”. Depois disso, passei a odiar o meu corpo, comecei a engordar por comer muito por cada dor e angústia que sentia e achava que era melhor estragar meu próprio corpo antes que qualquer outro homem tentasse fazer isso. 

Tive que passar por situações onde colegas de sala passaram a mão em mim e fui invalidada ao contar sobre isso em casa, ter episódios de stalker e ser seguida até em casa e outras coisas terríveis e recentemente um episódio em um carro de aplicativo (que felizmente a companhia me ofereceu todo o apoio) e sempre peço que seja a última vez. Que nunca mais coisas assim ocorram, apesar de saber que isso não é possível e é muito difícil lidar com isso, mas saber que eu não estou sozinha e que eu não sou culpada por nenhum desses eventos, que vai ter pessoas que irão entender a minha angústia faz com que eu não sinta medo de sair de casa como tinha antes e tentar viver uma vida mais normal possível.