Vim de uma criação à moda antiga. Filha única de uma família humilde e do interior, sempre vi minha mãe falar mal da vizinha que era mãe solteira, ouvia que a fulana era “puta” por ter vários namorados ou usar roupas curtas. Tive aulas de educação sexual na escola mas tudo bem científico, foi bom ter aquelas informações biológicas, mas sexo ainda coisa das “mulheres da rua”. Minha mãe sempre invadia minha vida lendo meu diário e me questionando sobre meus amores platônicos de adolescente. Eu morria de medo dela descobrir que eu gostava de algum menino, porque sempre me ensinaram que a mulher sentir qualquer desejo de estar, ter ou conhecer um homem era falta de respeito por si mesma e que isso dava aval para os homens te desrespeitarem. Apesar disso tudo, já adolescente eu via o sexo como algo natural e que mulheres também podiam ter seus desejos e liberdade. Com 16 namorei um rapaz, namoro sério e assumido para todos, mas nós não podíamos ficar sozinhos, dormir juntos ou eu dormir na casa dele, tudo para evitar que eu perdesse a virgindade. Eu morria de vontade e curiosidade de fazer com ele. Mas nunca tivemos liberdade para fazer. Minha mãe comentava com minhas tias sobre como era linha dura e que tinha que ser assim. E assim foi até meus 18 anos quando não aguentei mais a pressão da minha mãe sobre meu namoro e minha vida. Terminei com ele e como trabalhava e estudava comecei a sair para festas e ter uma "vida de jovem". Ainda era virgem e estava decidida a perder a virgindade, não achava que precisava ser com o namorado mas com alguém que me tratasse com respeito. Ficava com alguns meninos mas nada, até que um dia numa festa conheci o D*. Ele era bonito e parecia legal, então resolvemos ficar. Eu estava decidida e me sentia feliz por enfim ter controle sobre meu corpo e meus desejos. Até que no meio da nossa ficada o D* começou a querer tirar minha roupa, eu falei que era virgem. Acho que ele não acreditou. Eu queria fazer com ele, mas sem a pressa e pressão que ele começou a demonstrar ali. Ele então levantou minha saia e começou a fazer aquilo, eu estava assustada e continuei falando que era virgem. Ele continuou sem acreditar. Não me lembro quanto tempo durou, nem de nada mais pq acho que desliguei minha mente por auto proteção. Só me lembro que comecei a chorar e aí ele parou. Fiquei confusa, parecia que eu tinha tido um pesadelo. Ele nunca mais me procurou ou veio conversar comigo. Eu confusa e sem recordar direito, escrevi em meu diário para desabafar. Minha mãe leu e brigou muito comigo. Como na época não entendia nada e até por auto proteção, escrevi como se tivesse sido uma relação consensual. Depois disso nunca mais fui a mesma. Me sentia mal e sozinha. Comecei a ver sexo como aquilo sujo e repulsivo que fora me ensinado. Desejo e sexo era para homens, eu me encaixava no meu papel de "fácil" e implorava para ser amada, nem pedia respeito ou humanidade porque sabia que não era merecedora. Somente alguns anos atrás, reconheci que sou sobrevivente de um estupro. Pra mim ver e ouvir meninas contando que perderam sua virgindade com namorados, que tudo foi incrível e respeitoso me traz uma dor e ódio por saber que em meu momento, isso foi tirado. Eu nunca terei uma primeira vez sendo amada ou respeitada. Eu sempre terei que lidar com uma primeira vez invadida, desumana e confusa, que traz consigo no meu inconsciente que sexo é abandono e culpa.
ALERTA DE GATILHO: O texto abaixo é um relato real enviado anônimamente ao Me Too Brasil e tem como finalidade dar voz a mulheres silenciadas. Os nomes originais citados foram trocados. Você também pode compartilhar um desabafo anônimamente ou solicitar ajuda, clicando aqui.