São Paulo, 4 de setembro - A organização Me Too Brasil expressa seu total repúdio à decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por maioria, absolveu um homem de 20 anos acusado de manter relações sexuais com uma menina de 13 anos, alegando que o caso não configuraria estupro de vulnerável. Essa decisão lamentável é um reflexo claro do machismo enraizado em nosso sistema judiciário, que insiste em relativizar a violência sexual cometida contra crianças e adolescentes.

Os ministros analisaram um recurso do Ministério Público contra a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que absolveu o homem sob o argumento de que o relacionamento foi permitido pela mãe da adolescente e considerado consensual pela vítima. O MP sustentou que o crime de estupro de vulnerável ocorre independentemente do consentimento em casos envolvendo menores de 14 anos.

De forma contraditória, ilegal e inexplicável, apesar de reconhecer que a conduta do criminoso formalmente caracterizava o crime de estupro de vulnerável, a maioria da Sexta Turma decidiu que esta não estaria configurada a infração penal. Destaca-se aqui o absurdo voto do ministro Sebastião Reis, que alegou a falta de comprovação de que o homem teria se aproveitado da vulnerabilidade da menina e de que o agressor não possuía outro "deslize pessoal", além de opinar que a relação não causou abalo à vítima.

O Código Penal brasileiro é claro: qualquer relação sexual com menores de 14 anos é estupro de vulnerável, independente de consentimento ou circunstâncias familiares. Ao desconsiderar esse princípio fundamental, o STJ não apenas viola a legislação vigente, mas também enfraquece a proteção que o Estado deve garantir às crianças e adolescentes contra abusos. As alegações de que a vítima "não se mostrava vulnerável" ou que o relacionamento foi "consensual" são exemplos explícitos de como a cultura patriarcal e machista permeia as decisões judiciais, normalizando e até romantizando crimes sexuais.

A argumentação de que o consentimento da mãe ou da própria vítima legitima a relação é inaceitável. O consentimento familiar não é a questão, mas a proteção integral da criança, conforme garantido pela Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA estabelece, de forma incontestável, a responsabilidade do Estado em proteger crianças e adolescentes de qualquer forma de negligência, exploração ou abuso, garantindo sua dignidade e integridade. Ao ignorar essa proteção, a decisão do STJ afronta as conquistas do Estatuto, fragilizando os direitos das crianças e abrindo precedentes perigosos que enfraquecem o combate à violência sexual e deixa nossas meninas ainda mais expostas a abusos.

A decisão é ainda mais chocante quando observamos que, em março deste ano, outro colegiado do STJ adotou entendimento semelhante em um caso em que uma menina de 12 anos engravidou após um relacionamento com um homem de 20 anos. São exemplos de como o Judiciário brasileiro está falhando em proteger as vítimas de violência sexual infantil, perpetuando a impunidade dos agressores.

É urgente enfrentar o machismo perpetuado no sistema de justiça, onde magistrados e representantes do judiciário ainda insistem em desqualificar a vulnerabilidade de meninas e adolescentes vítimas de violência sexual, naturalizando a violência que sofrem. Essa postura judicial contribui para a perpetuação de uma sociedade que minimiza a violência sexual contra crianças. As vozes das vítimas continuam sendo ignoradas, fortalecendo uma cultura patriarcal que protege os agressores e promove a impunidade.

O movimento Me Too Brasil manifesta sua profunda preocupação com o enfraquecimento da adoção das proteções legais garantidas às mulheres e meninas vítimas de violência. Decisões como essa, que relativizam crimes como o estupro de vulnerável, não apenas retrocedem no combate à violência de gênero, mas abrem precedentes perigosos para a manutenção da impunidade, afetando todas as mulheres.

Exigimos que o STJ revise seu posicionamento neste caso, bem como todos os órgãos do Judiciário brasileiro revejam urgentemente suas práticas e adotem uma postura coerente com a legislação, protegendo as vítimas e responsabilizando aqueles que cometem crimes sexuais.

Não podemos permitir que o Judiciário brasileiro seja conivente com a violência sexual contra crianças e adolescentes.