Acho que a maioria das pessoas que chegaram até aqui foram pelo mesmo motivo que eu, a violência contra vulneráveis.

Não me lembro muito bem quando começou o abuso em si, mas me lembro que a última vez que aconteceu eu tinha menos de 10 anos. Assim como muitas vítimas, o meu agressor era um parente muito próximo de mim e da minha família. Quando pequena, minha casa recebia muitas visitas e era comum que essa pessoa viesse nos visitar. Na época , eu não sabia que o que acontecia comigo era estupro, só sabia que era muito estranho, pois sempre era feito escondido, como se fosse um segredo que não pudesse ser revelado. O primeiro vislumbre que tive sobre como esse ato era um crime foi em um conversa que tive com uma amiga minha, aos 14 anos. Me lembro que estávamos conversando sobre situações constrangedoras da vida e relatei o ocorrido com a maior naturalidade do mundo e minha amiga, sendo um pouco mais velha que eu, ficou horrorizada quando contei por cima o que tinha acontecido comigo, mas a ficha só foi cair mesmo quando fiquei mais velha, com 16 ou 17 anos, pois na maioria das vezes eu queria fingir que não tinha acontecido nada comigo. Chegou a um ponto que eu não conseguia mais fingir que aquilo não tinha acontecido, não conseguia parar de pensar no ato e, principalmente, eu como eu me sentia culpada por aquilo ter ocorrido. Comecei a ter crises de ansiedade, despersonalização, desrealização e tentei suicido por volta de 16 anos. Além disso, eu tenho pesadelos também, que não são sobre o ato em si, mas sobre como eu me senti na hora. Às vezes, eu acho que estou sendo sufocada por alguém e que vou morrer. 

Meu abuso, assim como o de várias vítimas, foi silencioso, dentro da minha própria casa, por uma pessoa que meus pais confiavam muito. Me lembro que ele sempre foi muito gentil comigo, costumávamos brincar e fazer várias atividades quando vinha nos visitar. A casa onde aconteceu o estupro tinha um quarto destinado para as visitas, com um banheiro, que odeio até hoje. Em uma das vezes eu fui tomar banho nesse banheiro e ele entrou junto comigo para me ajudar a banhar, acredito que eu tinha por volta dos 5 anos na época . Recordo que senti uma ardência muito grande na região da minha virilha e que ele veio me ajudar, dizendo que eu tinha derramado sabonete nas minhas partes íntimas. O cenário era tão opressor que minha mãe até entrou no banheiro para ver se estava tudo bem comigo e acreditou no que ele tinha dito, que eu tinha mesmo derramado o sabonete na virilha e que estava apenas me ajudando, mas essa não era a verdade e fico muito claro quando me pegou e me colocou na cama, abriu minhas pernas e fez o que quis comigo. Eu ainda consigo sentir até hoje qual era a sensação de ser invadida, consigo recordar da dor que senti na região íntima, da textura do lençol nas minhas costas, da forma como minhas pernas estavam abertas e imobilizadas e para ser sincera, acho que nunca irei esquecer disso. Nunca contei para minha família sobre o ocorrido, pois eles são super protetores comigo e um pouco conservadores e, para ser sincera, não acho que acreditariam em mim também.

 Na maioria dos dias eu consigo levar uma vida normal, mas às vezes eu só quero fingir que não existo, que a dor não existe. 

 Como havia dito antes, tentei suicidio quando tinha por volta dos 16 anos. Na minha casa, tínhamos uma máquina de lavar que estava estragada e dava choque. Minha mãe tinha me dito para não chegar perto, pois era perigoso, mas eu estava tão mal naquele dia, parecia que eu vivia um pesadelo e que não conseguia sair dele. Então eu me molhei toda e peguei no fio desencapado da máquina e minha sorte foi que meu pai tinha arrumado antes, caso contrário eu teria morrido eletrocutada. 

 Eu acredito que assim como eu, você aí do outro lado também foi vítima de abuso sexual e que talvez se sinta culpada, constrangida e se perguntando se ficou maluca, se aquilo realmente aconteceu. Eu não posso dizer como sair desse ciclo horrível de pensamentos, mas prometo que se um dia eu descobri, venho contar aqui para você.